Algumas semanas atrás, propus um jogo. O interesse chegou a apenas um participante: uma amiga, a Ângela, o que me deixou muito feliz. Que fique claro que, por conta de minha vaidade e desejo, esperei mais contendores… Não tem importância… fazendo blague com título de filme famoso: E la nave va…
Bom. Foram quatro postagens com o mesmo títlo: Jogos. Tratei de postar trechos de romances brasileiros e um conto português. Para quem viu as palavras-chave, ficou claro que eram narrativas “naturalistas”. Muita coisa pode ser dita acerca do Naturalismo, mas isso é assunto para outra ocasião. O que me instigou a propor o jogo de adivinhação é o fato de essas quatro narrativas serem representativas não apenas do Naturalismo, como a “tradição” as considera. De fato, sua leitura me leva a outros horizontes, como quaisquer outros, absoluta e totalmente questionáveis. Engana-se quem acredita que exista uma única resposta, absoluta, uma que vença todas as demais… ledo engano (Adoro essa expressão!)
Em “Jogos 1” deixei trechos de O bom crioulo, de Adolfo Caminha; em “Jogos 2”, foi a vez de O homem, de Aluísio Azevedo. Já em “jogos 3”, o trecho era de A carne, de Júlio Ribeiro e, finalmente, em Jogos 4”, não foi um romance, mas um conto de Fialho de Almeida, escritor português, cujo título é “O funâmbulo de mármore”. Todos naturalistas bien sûr, guardando, cada um deles, suas peculiaridades. Deles, o mais polêmico talvez seja, quase unanimemente, o romance de Adolfo Caminha. O homossexualismo descarado da narrativa deve ter deixado muito cabelo em pé… Muita gente deve ter jogado o livro fora, muita senhora deve ter exconjurado, muito padre bradado… Um horror… Mas o romance é bom… demais.
O que há de comum é que, para além das temáticas, todas as narrativas são narradas por uma voz masculina. Um detalhe, aparentemente, simples, inócuo. Mas este mesmo detalhe abre uma possibilidade instigante: o olhar homoerótico que lê o enredo. Com exceção do romance de Adolfo Caminha, por óbvio, as demais narrativas ganham colorido mais denso com a operacionalização desse “olhar homoerótico”. No caso de A carne, o narrador apresenta o frenesi de Lenita, depois que começa a ceder aos “a pelos da carne”. Já em O homem, o narrador criado por Aluízio Azevedo vai dissecando o “furor uterino” de Magdá, a protagnista. No conto de Fialho de Almeida, a contesina, protagonista, enlouquece depois que esculpe a estátua do equilibrista, dando vazão a seu desejo recalcado por conta da morte deste. O interessante é que toda esta apresentação de situações femininas é feita por uma voz masculina. Se alguém reler as passagens tendo este pressuposto como instrumento de abordagem, vai entender o que estou dizendo. O calor da descrição, o impacto das “tintas”, o olhar febril e a vibração do desejo de olhar, em detalhes, o corpo masculino, objeto do desejo das protagonistas, deixa escapar o “detalhe”: é um homem quem descreve. Logo é le quem “vê” pelos olhos das protagonistas. Sacou?!
Uma resposta para “Sem resultado…”
Saquei e bem! Sabia que havia outra intenção subjacente ao seu jogo, porque, afinal, você é especialista em homoerotismo e os textos propostos não deixam qualquer dúvida. É interessante pensar em literatura homoerótica já naqueles tempos de hipocrisia e repressão. Corajosos os autores. Apesar de que, acho que não avançamos muito na questão de gênero e orientação sexual: apenas alguma panfletagem, uns rótulos substituindo outros, no entanto um mal-estar indisfarçável da maioria quando o assunto vem à tona.
Pena não ter podido participar melhor do jogo: não tenho leitura suficiente para reconhecer a pena de tais autores. Porém, gostei muito desta aula de hoje. Aqui se aprende, sempre. Beijinhos, Angela