Tomo de empréstimo, hoje, parte de uma postagem que encontrei na “rede” (http://professorazildafreitas.wordpress.com), que considerei interessante. Com ela, proponho que você se posicione quanto à seguinte questão:
O trecho da carta de Eça a Ramalho Ortigão e a citação de um trecho de A relíquia, é possível dizer que a ironia é instrumento utilizado por Eça na composição de um “quadro”, ao mesmo tempo, “real” e “irônico”, da sociedade portuguesa, principalmente no que diz respeito a um de seus traços marcantes, exatamente aquele que aponta para a forte presença da religiosidade em seus modus operandi? Justifique a sua resposta!
Boa leitura, bom trabalho e bom final de semana!
“Formalmente apresentada por Eça de Queirós ao leitor, no início da narrativa a personagem Teodorico é ainda um menino, que vai evoluindo à medida que a narrativa se desenvolve, até culminar com sua transformação em Raposão. Sua caracterização como personagem principal do romance é direta e dela o leitor tudo conhece, tanto das características físicas (por exemplo, sua barba viril) até seus pensamentos mais pecaminosos diante do corpo nu das personagens femininas. Com Teodorico, o foco narrativo se move de Portugal para a Terra Santa. Permite assim o ficcionista que Teodorico seja acompanhado pelo leitor em sua viagem à Terra Santa, em um deslocamento espacial (de Lisboa para Jerusalém). Entretanto, também há um deslocamento temporal em A relíquia: de modo fantástico, Teodorico retorno ao período histórico em que teria vivido Jesus.
Sobre seu processo criativo de elaboração de textos literários, escreve Eça de Queirós em uma carta a Ramalho Ortigão:
“Para escrever qualquer página, qualquer linha, tenho de fazer dois violentos esforços: desprender-me inteiramente da impressão que me dá a sociedade que me cerca e evocar, por um retesamento da reminiscência, a sociedade que está longe. Isto faz com que os meus personagens sejam cada vez menos portugueses – sem por isso serem ingleses: começaram a ser convencionais, vão-se tornando uma maneira. (…) De modo que estou nesta crise intelectual: ou tenho de me reconhecer ao meio onde posso produzir, por processo experimental – isto é, ir para Portugal -, ou tenho de me entregar à literatura puramente fantasista ou humorista. “(Queirós, E. 1976:75)
Ironiza o autor sobre a evocação de suas lembranças de Portugal e suas impressões sobre a sociedade portuguesa que conheceu. Poucos autores realistas souberam registrar tão bem as mazelas sociais e a hipocrisia religiosa em suas obras, como o fez Eça de Queirós. A personagem Teodorico Raposo, de A relíquia, representa o individualismo dos homens portugueses daquele período, ao buscar prazeres hedonistas e rejeitar os valores sociais e as tradições religiosas. O que torna A relíquia um romance único e vital para a compreensão das teses realistas é a habilidade de Eça em unir a ironia refinada ao anticlericalismo, sem a abulia da personagem Amaro, do romance queirosiano O Crime do Padre Amaro. Enquanto Amaro assiste a tudo sem reação, Teodorico é uma personagem que questiona, relata e age:
“E à porta do sepulcro de Cristo, onde a titi me recomendara que entrasse de rastros, gemendo e rezando a coroa – tive de esmurrar um malandrão de barbas de ermita, que se dependurara na minha rabona, faminto, rábido, ganindo que lhe comprássemos boquilhas feitas de um pedaço da arca de Noé! – Irra, caramba, larga-me animal! E foi assim, praguejando, que me precipitei, com o guarda-chuva a pingar, dentro do santuário sublime onde a Cristandade guarda o túmulo do seu Cristo.” (Queirós, E., 1976:75).
A partir da personagem Teodorico, Eça de Queirós reencena o episódio bíblico que descreve o comportamento de Cristo no momento de sua entrada triunfal em Jerusalém. Cristo e Teodorico expulsam os vendilhões, que comercializavam no Templo. A cena bíblica é narrada em Marcos 11,1-11; Lucas 19, 28-40 e João 12,12-16 (Barrera, 1995:56-68) e, indubitavelmente, influenciou Eça ao compor o capítulo da chegada de Teodorico a Jerusalém. A revolta da personagem queirosiana, ao recriar o episódio bíblico, denuncia o comércio religioso como mais uma faceta da exploração indevida da fé e a hipocrisia religiosa, que existia na época de Cristo e persiste no século XIX.”
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