Liberdade… e se…

Num impulso incontrolável, coloco aqui um trecho de um livro do Caio Fernando Abreu. A ideia não foi minha, só o impulso. Lendo o que escreveram entre ontem e hoje no Facebook (vício global), li uma postagem do Gustavo, aluno brilhante, pessoa legal, amigo, que me fez ler até o fim e daí o impulso. Faz tempo que não “escrevo” por aqui. Faz tempo que só tenho usado o blogue para transmitir as “atividades didáticas” para outros alunos. Hoje não vai ser diferente. Fica o texto do Caio então. Quem ler vai pensar o que quiser. Como perguntaria o contista (santa presunção): não é isto a liberdade?

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Trecho de “Pela noite”, conto do livro Triângulo das águas, de Caio Fernando Abreu:

“E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? Quando você chega no mais íntimo. No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. Você também tem cheiros. As pessoas têm cheiros, é natural. Os animais cheiram uns aos outros. No rabo. O que é que você queria? Rendas brancas imaculadas? Será que amor não começa quando nojo, higiene ou qualquer outra dessas palavrinhas, desculpe, você vai rir, qualquer uma dessas palavrinhas burguesas e cristãs não tiver mais nenhum sentido? Se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, porque de repente você até pode gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se amor for a coragem de ser bicho. Se amor for a coragem da própria merda. E depois, um instante mais tarde, isso nem sequer será coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também.”

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