Alguma coisa anda acontecendo, já a algum tempo… Claro está que, como tudo mais, em alguns momentos a atenção se presta com mais veemência e, da mesma forma, a estupefação segue pelo mesmo caminho… Ontem fiquei nesse estado de torpor, sem saber identificar exatamente o que é que se passa. Não soube reagir… Ainda não sei… Uma mistura de raiva, pena, preguiça, desencanto absoluto, indignação, nojo… ei não…
Um homem, recentemente saído da prisão. AO que parece havia seis meses que isso se tinha dado. Um homem tentando sobreviver. Um ex-presidiário tentando arrumar trabalho – lugar comum: todo mundo sabe como isso é difícil. Esse homem vendia doces numa estação ferroviária da “cidade maravilhosa”. Bem… A maravilha fica pelo epíteto famigerado da “zona sul” dessa cidade. No que resta de território urbano, essa maravilha vem nuançada de sangue, suor, lágrimas, podridão, mas com solidariedade, humanismo, simplicidade… Vai entender como é que uma cidade se organiza… Pois bem, esse homem vendia doces numa estação ferroviária. A notícia não esclarece os comos e os porquês, mas o fato é que esse homem é atropelado por um trem. Até aí, nada demais. Fato corriqueiro até, em que pese a desigualdade social… O que estarrece é a visão de três ou quatro funcionários da “empresa” que administra aquele serviço de transporte fazendo sinais para o condutor de outro trem que para antes de chegar ao local onde está o corpo do vendedor de doces, aquele, o ex-presidiário. A dúvida poderia sustentar-se nesse detalhe. Mas há mais a estarrecer quem assiste à matéria jornalística. O condutor do segundo trem avança e segue sua viagem. Ninguém faz nada. Ninguém se dignou a recolher o corpo antes da passagem do segundo trem. Não se sabe se o doceiro estava morto antes que o segundo trem passasse por sobre seu corpo acidentado. O segundo trem passa. A vida segue. A “direção” da “empresa” comunica “em nota” que autorizou a passagem do segundo trem e dos outros três que o seguiam por que estes estavam superlotados e não havia como criar um tumulto maior, complicando o fluxo de trens. Com toda a pachorra, a mesma empresa comunica “em nota” que se responsabiliza pelas despesas decorrentes. Não… Não acabou… ainda há mais. No dia seguinte ao ocorrido, o jornalismo nacional noticia que a “empresa” doou R$ 2.000,00 pra o sepultamento do ex-presidiário que vendia doces na estação ferroviária na tentativa de conseguir sobreviver de seu trabalho. A despesa total ultrapassou os dois mil reais…
Alguém pode estar rindo… Pois é… Não menciono o que disse a mãe do morto, que parece em ambas as reportagens. Poderia correr o risco de ser melodramático. Também eixo de mencionar qualquer coisa acerca do irmão da vítima, que também aparece na mesma matéria… idiossincrasias. De um jeito ou de outro, continuo estarrecido…
3 respostas para “Obscuridade”
Quem é do ” bem ” ficaria mesmo estarrecido , revoltado e enojado (a) com todo essa falta de humanidade , respeito e amor ao próximo e, estaria se perguntando : “Para onde caminha a humanidade ? ” , plagiando o flime .
Pois é… a cada dia uma surpresa nem sempre agradável, a repetição das mesmas falcatruas seculares, o crescimento da imbecilidade e da violência (consequência lógica) e uma crescente escuridão no fim do túnel… A luz que lá deveria estar bruxuleia, não se extingue, mas bruxuleia… cada vez mais fraca…
Você está certíssimo ! Não sei até quando aguentaremos isso .