“De repente, a sensação é, ao mesmo tempo, de déjà vu e de falta de qualquer perspectiva. O jeito se senta para ler. O sujeito se senta para ler para se preparar para um outro momento. O sujeito se senta para ler, para se preparar para um outro momento, que ele sabe não vai acontecer como imaginado. A imaginação é traidora. Mais traidora que a mulher/o homem adúltero/adúltera. Essa traição é fácil de digerir, simples de entender, se comparada com a outra. A do sujeito que se põe a ler para se preparar para um momento que ele sabe, de antemão, que não vai se dar do modo como ele imagina. De novo, o mesmo nó de Moebius. É como quando você se depara com camadas de personalidade ainda não reveladas. De repente, como num susto – o espanto de Platão não pode ser descartado aqui! –, alguma coisa que jamais foi imaginada se manifesta. Alguém, em quem o sujeito confia, a quem o mesmo sujeito admira, de quem o sujeito gosta, fala alguma coisa que não se encaixa. E você fica imaginando – cuidado com a traição! – que aquilo não pode ser. Que toda a gente já sabia, menos você mesmo. O quê? Não vai mais fazer o que vinha fazendo? Retirou-se completamente de qualquer situação de supervisão ou participação em decisões importantes? Nega e aos seus a ação de passar a noite cuidando, vigiando, monitorando como já vinha, há tempos, fazendo? Por quê? Ah… sei! Olha aqui, você tem que se lembrar que em certas circunstâncias, com este conjunto de variáveis, em função do processo de deterioração que é de conhecimento público, o que se disse tem que ser relativizado. Se cada palavra for tomada ao pé da letra… ih… então a coisa pode ficar complicada. Pode não. Fica. Irrevogavelmente. É uma questão de lógica e bom senso. Nem mesmo o cheiro de laranja madura que vem no colo da brisa quente, não amenizando a canícula que oprime nestes meses, pois é, nem mesmo o cheiro refrescante de laranjas maduras. Nem ele…”
Seguindo a mesma “onda” de ontem, vai aí mais um trecho do tal diário (quem não leu a postagem de ontem não vai saber do que estou falando!). Valeu a intenção. Não sei porque, mas este trecho fez-me pensar num poema do Drummond que segue abaixo:
Procura da PoesiaNão faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. Não faças poesia com o corpo, esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. O canto não é a natureza Não dramatizes, não invoques, Não recomponhas Penetra surdamente no reino das palavras. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Chega mais perto e contempla as palavras. Repara: |
Uma resposta para “Outro trecho”
Angustiante: os poemas não saem, estão engasgados. Triste sina!…