Memória quase secular

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Era Domingo. Vovô, sentado ao lado, na poltrona verde, com o tradicional Continental sem filtro aceso no canto da boca, olhava. De vez em quando, se levantava e tomava sua igualmente tradicional pinguinha de domingo. Papai, Tio Fernando e Tio Francisco, tomando cerveja picavam papel, gritavam, bebiam cerveja e choravam. O tempo todo chorando. Os primos, comigo no meio, ajudavam a picar papel e gritavam quando os tios gritavam. As tias Judith e Irene, com mamãe, ajudavam vovó Esther na cozinha, depois do almoço. Tia Helena, num canto, só olhava e ria, de vez em quando na sua reclusa timidez. Isso durou um tempo, ao final do qual todos gritavam mais, e mais, e mais. Tio Fernando juntou todo mundo dentro de sua Rural Willys verde e fomos pela Avenida Amazonas, aos gritos, jogando o papel picado durante todo o dia, a caminho do Mackenzie Esporte Clube. Era 21 de Junho de 1970. O Brasil conquistava o tricampeonato no mundial de futebol. Dizem, os “entendidos”, que a seleção vencedora foi a melhor de todos os tempos. Não posso dizer, nem que sim, nem que não… Na altura, aos 19 anos, ainda era atleta de natação e o futebol já não me chamava a mínima atenção. Pra dizer a verdade, futebol jamais me interessou tanto assim. Das três vezes que joguei, o final foi um acidente, dois comigo e um com outro garoto. Nem vale a pena o esforço para lembrar. Ainda que tenha torcido pelo Cruzeiro, jamais gostei, de fato, de futebol. Jamais soube jogar. Junte-se a isso o fato de, já naquela época, não entender o porquê do pagamento de dinheiro para quem jogava futebol. Era e sou de uma geração que considerava o ESPORTE uma atividade altruísta, que fazia bem a saúde, que fomentava o espírito de equipe, que valoriza o esforço individual, que alimentava o desejo de superação, que premiava o vencedor por mérito. A disputa era saudável e a diversão garantida. Nada de “teorizações” sofisticadas. Para disputar prêmios fora da cidade, do Estado, fazíamos vaquinha para as despesas. Pais e mães frequentavam por prazer e apoio e não por celebridade. Finais de semana eram sacrificados para as disputas que valiam pelo esforço, pela disputa, pelo conhecimento mútuo, pelas amizades, pela vitória e pela saúde. Tudo porque a gente GOSTAVA de disputar e praticar o esporte escolhido e não porque patrocinadores haviam investido dinheiro e mais dinheiro como numa loteria ou como numa transação de bolsa de valores. A primeira vez que viajei por conta de terceiros foi (infeliz e coincidentemente) em 1972, para os Jogos Estudantis Brasileiros (Ainda existem? Junto aos Jogos Universitários Brasileiros, eram os dois prélios esportivos que funcionavam também como celeiro de atletas de destaque a compor a seleções regionais e nacionais de então. Há de haver aquele(s) que vão manchar esta situação com o suposto descaso da ingenuidade. Hão de louvar que hoje todos são PROFISSIONAIS. Em parte, isso procede. Por que hoje, o tal de “profissionalismo” deixou de lado o prazer e a dedicação ao esporte para se submeter ao império do dinheiro e da celebridade, do “mercado” do esporte que, ao fim e ao cabo, de ESPORTE, tem muito pouco, mas muito pouco mesmo!!! Sou um chato? Confesso, sou sim. E não tenho do que me arrepender!!!

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PS: hoje faz exatamente 11 anos que comecei este blogue e, para não dizer que não falei de flores, menciono o futebol, subliminarmente. É como eu o encaro, afinal, a sequência de peladas internacionais está para acabar. Graças a Deus!!!

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4 respostas para “Memória quase secular”

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