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O segundo livro da série é de um escritor gaúcho. Creio que já escrevi sobre ele no meu blogue por duas vezes. Já não me lembro. O que me lembro bem é de um imbroglio que envolveu a ele, a mim e a uma senhora portuguesa da Fundação Calouste Gulbenkian. Incidente um tanto desagradável. Lembro-me dele, mas declino da possibilidade de a ele voltar. Muito incômodo. No entanto, este mesmo incômodo fez ficar mais apertado o laço de respeito e admiração que já nutria pelo autor do livro a ser comentado hoje. Gosto dele desde que descobri que é de sua autoria um cartapácio, de deliciosa leitura, intitulado História da Literatura Brasileira. O livro se desenvolve a partir das leituras das obras que o autor fez e que, a partir dela, constrói o fio historiográfico que desenvolve em ais de 600 páginas.  A linguagem fluida e poética do autor fazem da leitura uma delícia. Estou a falar do poeta Carlos Nejar. O imbroglio que me referi acima refere-se a um livro de poesias intitulado Odysseus, o velho. Belíssimo projeto estético sofisticado e luminoso que retoma o mito e faz dele uma leitura mais que sui generis, amalgamada na verve poética do autor gaúcho. O que me traz aqui hoje é, entretanto, um outro livro: carta aos loucos. Difícil dizer do que se trata – no que concerne à famigerada mania de encontrar rótulos e generalizações taxonômicas que facilitam as estatísticas, mas em quase nada contribuem para a LEITURA dos livros. A ficha catalográfica da obra diz que se trata de um romance. Há controvérsias, para dizer o mínimo. A linguagem, marca identitária da obra de Carlos Nejar, revela-se plena e soberba neste livro. O título induz o leitor a uma espécie de experiência cuja frustração em nada é pejorativa ou condenatória. Os parágrafos, muitas vezes constituídos de mais espessa e profunda poesia, acabam por chamar a atenção de quem lê para as nuances, as inter-relações implícitas e explícitas, as referências, as citações, a ironia. Assombro é, às vezes mulher, amante da voz da narrativa que assina Israel Rolando. Por outras vezes é nome da cidade em que se passa o relato. O texto faz lembrar as gestas medievais, pelo uso da didascália e pela erudição nas referências e citações. O cariz poético da frase sobressai, fazendo com que o relato mais se parece (com leveza) aos relatos historiográficos dos cronicões. O Trovadorismo, o romanceiro cavalheiresco, as narrativas medievais fazem par a sofísticos diálogos intertextuais como que há de melhor na poesia clássica, para não falar antiga, o que poderia induzir algum leitor meu a erro de interpretação. Nada há de antigo nesta carta. Da galeria de escritores canônicos, filósofos de matriz, personagens de outras gestas e demais “personagens” que perambulam pela crônica de Israel Rolando cria-se o dramatis personae de que se serve Carlos Nejar para escrever aos loucos. Estes destinatários de uma carta poeticamente inesperada e instigante somos nós e não há necessidade de nos prenderem amarrados a camisas de força em instituições mais que preparadas para evitar fugas indesejadas. O movimento poético do texto é que liberta a loucura que há em cada sintagma, em cada parágrafo, em cada nova reviravolta do relato de Israel Rolando, o que mantém o foco da narrativa com sua voz. Carta aos loucos (2008) é mais velho que Odysseus, o velho (2010). Ainda assim a soberba carpintaria poética de ambos é inigualável. O primeiro pela surpresa e pelo inusitado do exercício narrativo; o segundo, pela beleza da revisitação oferecida em versos. Acrescento para finaliza que a leitura deste livro é mais que prazerosa. Muito, mas muito mesmo!

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Uma resposta para “Três leituras II”.

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