Reler Machado I

Na tentativa de completar a releitura dos romances de Machado de Assis (na segunda etapa, se conseguir vencer a preguiça, é reler a contística toda), deparei-me com uma ideia que, imagino, está longe de ser original. Nos quatro primeiros volumes Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). Lívia, Guiomar, Helena e Iaiá são as protagonistas incontestes. A trama que as envolve é aparentemente simples. O advérbio se justifica pois, como é sabido, NADA em Machado de Assis é casual, corriqueiro e simples. Ainda que as aparências ficcionais da trama – em seu espaço, em seu tempo e na urdidura do relato – demonstrem certa credulidade simplória, pela suposta facilidade do enredo. Não. Definitivamente não. De fato, estes quatro romances, poderiam tranquilamente ser tomados como “novelas” esticadas. O relato se resume a entrecho comum aos quatro livros: o casamento das quatro protagonistas. Entre idas e vindas, ainda que variadas, correspondendo a um mesmo impulso, o autor exerce com maestria sua perícia, apresentando o caráter feminino de maneira inesperada para o momento em que se insere a publicação dos quatro tomos. É costume dizer que estas quatro narrativas “pertencem” a um suposto “ciclo romântico” no conjunto da obra – infelizmente esta expressão anda tão desgastada… Nada mais equivocado, mesmo que tal pressuposto seja uma muleta didática no espaço da sala de aula, ainda assim, nos níveis iniciais da escolarização. Definitivamente. Isso é um equívoco. O motivo é simples: nenhuma das quatro, ipso facto, corresponde ao modelo romântico de protagonista de romance. Não vou descer “às profundas” para demonstrar tal tese. Não estou escrevendo um tratado ou uma tese de livre docência. Não tenho que provar nada a ninguém. Não mais. Digo apenas aquilo que constato da releitura que faço dos textos citados. Como diz o adagiário popular: o incomodados que se retirem. Neste caso particular, que parem de ler e vão fazer outra coisa que lhes agrade mais… As mulheres, nestes livros, a meu ver, reúnem aspectos de uma única mulher que vai, mais adiante, sintetizar tais ademanes e firulas feminis. De fato, o espírito crítico do Realismo, acrescido do sarcasmo machadiano, temperam o entrecho das quatro primeiras narrativas. A apresentação das mulheres, como ponto fulcral do relato, denota a preocupação do autor com um retrato fiel de parte da sociedade que pinta em suas narrativas: a mulher. O quadro é pintado com requinte e sobriedade, sempre salpicado de frívolas comparações, finas ironias e a observação acurada de um olhar de lince que o narrador acaba por mediar. Este traço, as protagonistas não corresponderem ao modelo clássico da personagem romântica, aqui, é suficiente para deixar de lado, de uma vez por todas essa bobagem de romantismo. O fato que permanece da deliciosa – como sempre – leitura dos textos de Machado é que este detalhe vai sofrer mudança radical a partir de Memórias póstumas de Brás Cubas. Já no título, a mudança de gênero é incontestável. O protagonista é homem. O mesmo sucede com os livros subsequentes: Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires. Todos homens. Mas isso é matéria para outra conversa, outra hora…

Machado de Assis
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