Delicadeza

Há quem diga que filmes baseados em livros desmerecem os próprios livros. Há os que preferem assim. Há aqueles que afirmam que o filme supera o livro, e vice-versa. Há e tudo, para todos os gostos, de todos os sabores e cores e… e… e… O fato que persiste: pode-se gostar de um ou de outro, dos dois, de nenhum dos dois. ai de cada um.

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Parei de escrever ontem para ir ao cinema. Fui ver “Hebe: a estrela do Brasil”. Comovente. Gostei. A atuação de Andreia Beltrão é mais que convincente. Como o filme, comovente. Como o comum dos mortais, a arraia miúda, não conheceu a intimidade da Hebe, fica difícil falar em coerência, em justiça, em verdade. Claro está que quem a conheceu, suponho, deve ter dado suporte para a produção do roteiro e para a direção do filme, assim como para as demais personagens da vida da apresentadora que comparecem à narrativa fílmica. Produção correta, imagino, do ponto de vista técnico. Mas esta nota serva apenas para justificar a interrupção do raciocínio começado ontem, que não vai ser retomado. Ou por outra, vai ser retomado em sua perspectiva, que é a do cinema, de um filme. É sobre outro filme que desejava falar ontem e vou continuar falando hoje, mas não o da Hebe. O filme é Call me by your name, que, em Pindorama, recebeu o título “Me chame pelo seu nome” (tradução literal do original). A história de Elio e Oliver. Tenho a dizer que um dos primorosos detalhes do filme é a sua fotografia. As locações, toas na Itália, eu diria, na Itália profunda, são, de fato primorosas, para não dizer soberbas. Certo desconto há de ser dado à minha assertiva, pelo fato de seu eu um admirador inconteste da terra de Dante e de Umberto Eco. Vá lá, as locações são belíssimas. De grau idêntico é a trilha sonora. De uma delicadeza contundente, acentuando as nuances narrativas de forma mais que coesa e colorida. Um primor também. O mesmo eu não diria da coesão interna da narrativa. Mas isso sou eu. Vamos lá! O primeiro terço do filme passa sem maiores problemas. Acredito que a coesão se perca no segundo terço, quando a trama já anunciada se faz explícita para a plateia, com a inexplicável ajuda das personagens que, neste paço, agem como se tudo fora como a natureza determinara, numa placidez, numa tranquilidade, numa certeza, que em nada condizem com o tormento pelo qual passa o jovem Elio. É muito estranha a reação das demais personagens, em face do drama do adolescente. Este, por sua vez, não vai se construindo de maneira consistente ou, como mencionei, coerente, coesa. De repente, já está. Bum. Nada mais a explicar. Vejam o filme e me digam se estou exagerando. Este alerta vai por conta de minha chatice. Paradoxalmente, o último terço do filme é de uma delicadeza, de uma singeleza, tão coeso e coerente que chega a doer. Em nada se parece com certo blasé que parece pairar nos passos anteriores do filme. Digo isso por conta do discurso do pai de Elio, já quase ao final da película, quando, em tom confessional aconselha o filho a não fugir da experiência da dor pela qual está passando. Ela, diz o pai, é parte irrecorrível da experiência humana, no que diz respeito à vivências afetivas que constroem o caráter e a personalidade de um homem. Um discurso magistral, dito e apresentado de maneira contundente. As lágrimas de Elio o confirmam. Daí para o fim da história é um pulo. Vale a pena conferir.

3 respostas para “Delicadeza”

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