Lili. Já vai longe a memória de Lili. Um cometa. Apareceu, passou e sumiu no céu do esquecimento. Lili, a arquiteta. Lili que recebia bem. Apartamento pequeno. A decoração depois da reforma: expressão do talento arquitetônico de Lili, Lili, arquiteta do serviço público. O apartamento pequeno, aconchegante. Os talheres de prata, a baixela de porcelana, os guardanapos de linho. Lili solteira, filha única. “Se eu tenho, vou usar. Pra que guardar? Não tenho filhos. Não vou deixar pra ninguém. Então eu uso, de segunda a segunda. Sem essa de ocasião especial. Uso comigo mesmo”. Lili e seu noivo. O robusto noivo de Lili. Seu companheiro de uísque. Lili só bebe uísque. Nada mais. Uísque e, nos intervalos e depois, na ressaca, água. Só bebe uísque. O noivo de Lili e seu olho de peixe morto. Sua boca carnuda. O robusto noivo de Lili. “Ele quer fazer a três. Pediu ora convidar você.” O noivo de Lili, sensual e sem vergonha. Bebedor de uísque. Os almoços na casa de Lili e seu noivo. Sempre a três, menos na cama. Lili durante a semana e nos sábados. Sábados ou domingos. Já vai longe a história de Lili. Já sem clareza, Lili, sábado ou domingo. Lili e seu amigo de final de semana. Qual era mesmo o nome dele? Feio. Magrelo e cabeludo. Dentes estragados, fumante inveterado, bebedor de cerveja. Amigo de Lili. Amigo do noivo de Lili. Lili, o noivo e o amigo. Os finais de semana na casa do Hamilton. Tardes memoráveis. Cerveja e uísque. Lili só bebe uísque. Cerveja, música alta, a piscina rebrilhante e imensa na casa de Hamilton. Os finais de semana na casa de Hamilton. O secretário do ministro Hamilton escrevia os discursos. Hamilton cuidava da agenda particular. Hamilton sabia de coisas. Hamilton, o assessor. A casa de Hamilton era imensa. Os finais de semana com Hamilton, inesquecíveis. A manhã de domingo (ou de sábado, tanto faz). A piscina resplandecente. A cerveja. A música que começa a tocar. As gargalhadas. Cerveja, piscina, música e sonhos. Muitos sonhos. Fantasias e imaginação nas tardes de final de semana na cassa de Hamilton. Hamilton e seus homens. Os recos. Cada um mais bonito que o outro. O pelotão especial. Havia um nome específico. Seleção rigorosa. Altura, peso, instrução, capacidade física. Principalmente altura. Escolhidos a dedo os da guarda especial. Hamilton conhecia bem. Nas tardes à piscina, um amigo de Hamilton. De manhã cedo, a música tocando, a cerveja gelada e as gargalhadas. Silêncio. Um homem aparece. Lento. Ciente de sua beleza, de seu fascínio, do impacto de seu corpo escultural. “Bom dia!”. O sorriso ensaiado. O assanhamento do amigo de Lili. Nada mais parecia acontecer na face da terra. O paraíso à beira de uma piscina numa casa perto do lago. Ah, a guarda especial. Amigo de Hamilton. Meu Deus, que pernas. O sorrisinho ensaiado e dissimulado. Os olhos verdes piscando. a toalha enrolada. Alguns passos. Um suspiro de tédio. A toalha que vai caindo devagar. Meu Deus, as pernas do amigo do Hamilton. Tardes de domingo regadas a cerveja e a fantasia. A música alta. Os comentários sussurrados. A toalha que cai e o silêncio. Um suspiro suspenso no ar, sobre a piscina. O barulho da água espirrando em todo mundo. A alegria das tardes domingueiras ou de sábado na casa de Hamilton. O impacto da chegada aquele reco, Meu Deus, que pernas. Hamilton chega em seu roupão branco. Alinhado. Cabelo penteado. Barba feita. Óculos escuros. Vivacidade, energia e sensação de poder. Hamilton sabia escolher. Escrevia discursos, a agenda particular do ministro. A guarda especial que visitava sua casa. Hamilton chega e se senta. Muito seguro de seu poder, de seu bom gosto. Olha para o reco com ar de posse, de domínio. Ao mesmo tempo vira os olhos para os amigos do outro lado da piscina. As pernas do amigo de Hamilton. Os braços. Os olhos verdes que fascinavam e seduziam. Hamilton sabia. Fazia de propósito. Conversava ao pé do ouvido. Sorrisos dissimulados. De vez em quando uma gargalhada. A cerveja e o uísque de Lili. Lili e seu amigo. A turma às gargalhadas. O barulho da piscina a espirrar água. Os braços do reco fortes e vigorosos. A língua parecia uma cobra. Beijo na piscina. Ai meu Deus, as pernas dele. O contato das pernas dele na piscina. Água de fervia no calor do prazer de abraçar e beijar o amigo de Hamilton. As gargalhadas. Os sussurros. A boca enorme do amigo do Hamilton gemendo, lambendo, beijando. Ai, meu Deus, aquelas pernas enroscadas, apertando. A piscina em revolução. O sol do planalto a riscar a pele de todo mundo. O dourado da cabeça raspada do amigo e Hamilton, Meu Deus, que pernas. Lili e seus amigos. Lili, a arquiteta. as tardes de domingo. A piscina. O reco. As lembranças de Lili e seu apartamento, baixela de louça, guarnição de prata, copos de cristal, guardanapos de linho. O noivo de Lili. O reco. Meu Deus, que pernas.

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