O texto que segue vai aparecer nas orelhas de um livro de crônicas a ser lançado em breve.

O tempo que passa. As coisas que acontecem. As pessoas que reagem. Isso é matéria de essência imponderável. Ponto. Por isso mesmo, atraente e fascinante. A palavra, em sua saga incontrolável, segue os passos do desejo de dizer essas coisas. Dizer dessas coisas. Talvez seja este o ímpeto que move a mão do escritor, do sujeito que escreve – um poeta, em certo sentido –, a desvendar esse mundo insondável da possibilidade de dizer. Quando a adversidade se apresenta, em uma de suas inimagináveis formas, a palavra urge. O ímpeto se intensifica e a palavra urge. Esta é, a meu ver, uma maneira de enxergar uma crônica. Resultado da busca de satisfação desse elã. Exercício de “realização” de uma urgência, a da palavra, experienciada pelo sujeito que escreve, porque porta voz do que vê. A atualidade tem sido marcada por acontecimentos funestos que aparente, e só aparentemente, se mostram inexplicáveis. Muito de “humano, demasiado humano”, segundo certa Filosofia, pode se antepor como causa dessas efemérides, de novo, aparentemente, e só aparentemente, incontroláveis. Obstáculos, sempre os há. Sísifo que o diga. Possibilidades sempre são e serão infinitas, até prova em contrário. Então, talvez um tanto melancolicamente, reste apenas a possibilidade de escrever. Tentativa, de nascença, vã, de aplacar a urgência. A pandemia que se instalou pode motivar muito dessa escrita. Antes de mais, devo confessar minha resistência em escrever sobre o que a ocasião oferece como matéria. Não condeno quem o faz. Não julgo quem considera imprescindível fazê-lo. Eu não o faço. Entretanto, impossível não se ater, com atenção, ao resultado de quem se dedica a tanto. Este é, com galhardia, o mérito desta coletânea, Impressões sobre a pandemia. Esta coletânea se subscreve a um tipo de texto que sempre causa dissenção, a crônica – texto que, em sua natureza, consiste na tematização de fatos do cotidiano. Estes, por sua vez, podem não ser exatamente o cerne do texto, mas sua desculpa, sua motivação. Assim é que a realidade – em qualquer de suas dimensões – acaba por ensejar circunstância bastante favorável ao desenvolvimento dessa escrita. A palavra já traz em sua etimologia o caráter que marca o texto por ela identificado. Sua origem reside no termo grego khroniká, forma neutra, plural de khronikón (relativo ao tempo). No Latim, o termo correlativo é chronĭca, que significa, em primeira instância, “narrativa cronológica”. Assim, o termo pode identificar certo tipo de escrita textual que se preocupa com a ordem do tempo em que se deram os factos, mas não só. Muito cara ao Jornalismo, a crônica é sempre concebida de forma livre e pessoal, pautando-se pela atualidade sobretudo de quem escreve. Assim, aqui, esse caráter se cumpre e se revela, quando a focalização dos textos da coletânea aponta para um dos mais contundentes “temas” da atualidade, a pandemia. que Faz, em seu conjunto, uma análise crítica das situações cotidianas, possibilitando ao leitor uma reflexão sobre o assunto referido. Por se tratar de texto vinculado ao tempo, a crônica tem vida curta. O mesmo poder-se-ia dizer dos lampejos epifânicos estampados nos textos de Andreia Donadon, a partir dos quais teço estas considerações. Com uma linguagem simples, a crônica relata, de forma diferenciada, as ocorrências e suas reverberações – individualizadas na palavra do sujeito que escreve. O tom pode ser crítico, humorístico, lamentoso ou apenas constatativo. A variação, aqui não obedece a regras apriorísticas. As linhas do texto de Andreia, aqui, evoluem, de maneira natural – ora em corredeiras, ora na calmaria, por vezes provocando pororoca e em queda. Há que ressaltar que esta “queda” não remete a derrota, fim, mas penetração no fundo da alma sensível de um sujeito que delicadamente registra suas impressões. Essa delicadeza, de fato, não guarda sequer um resquício de ingenuidade ou, mesmo, alienação. Jamais! Ao fim e ao cabo, a contundência assertiva da palavra da autora é por demais consistente, sem margem para engano: uma sensibilidade aguda, a mirar, com olhos de lince, uma realidade adversa e, talvez por isso mesmo, enriquecedora. Do ponto de vista da escrita, o enriquecimento é inegável. Para o leitor, sobretudo!
2 respostas para “Orelha”
Eliane Calixto? Curiosa.
Não. Andreia Aparecida Donadon Leal.