Um intervalo. Mais um. Faz uns tantos dias que não escrevo, nem mesmo para repercutir algum texto alheio. Nada. Antes de viajar, li um livro do Augusto Abelaira, escritor português (ainda vou comentar algo sobre ele aqui): A cidade das flores, seu primeiro romance (1959). Se não me engano é este mesmo o nome dele. A indicação é de um amigo querido, o Artur, marido da não menos querida Alexandra, pais de Esther. Todos vivendo numa soberba residência no Paço da Quinta de Justes, em Braga, onde fabricam espumantes e vinhos verdes. Um paraíso terreal. Pois é. O Artur me indicou e vou escrever sobre o livro, em homenagem ao amigo dileto. Não devo fazer isso? Houve um tempo em que eu ficaria na dúvida sobre a pertinência de tal motivação. Tempos passados. Não os posso esquecer, porque se passaram com a minha participação, ou me envolvendo eles, em suas artimanhas, todas elas comandadas por seu mentor e controlador, pai: Cronos, implacável. Pois é. Ninguém escapa. Assim se fazemos intervalos. Os dias passados no litoral repetiram a mesma sensação de que a mudança é acertada. Olhar para o mar, todos os dias, durante horas infindáveis, é mesmo uma prática que só renova energias, sensações, esperanças. Incansável. Não há nada mais “sedutor” num certo sentido. Claro está que há uma pontinha de melancolia. Em tudo ela se mete. Afinal, altos e baixos são os movimentos irrecorríveis da existência. Sua exacerbação, por consequência, é que leva tudo para as vielas escuras, úmidas e miasmáticas da patologia. Isso não! Nesta temporada de quase quinze dias pensei em escrever mais um poema. Já tinha escrito dois, quando o pensamento me assalto. Ocorreu a “inspiração” por conta de uma folha amarela que estava na praia. Vi-a quando fiz uma de minhas caminhadas matinais. Lá, por imitadas que são, ainda, minhas estadas, é a “atividade física”, sentença irrecorrível das autoridades médicas em nome da famigerada “saúde”… Bem. Os versos que me vieram, de estalo, eram mais ou menos assim: “Uma flor amarela / jaz sob o tempo de vasto azul / vista / ainda que cego o olhar / pelo reflexo da estrela diurna”. Mais ou menos porque acrescentei uma que outra palavra que, no momento da “inspiração” não me vieram à mente. De certeza que não! Logo em seguida, pensei em escrever uma história que começava pela leitura deste poema por um professor. Os alunos, atentos, escutavam a voz melódica do mestre, ao declamar os versos, sem dizer-lhes a autoria. Gostava de contar o milagre, mas não o santo! Depois da leitura, perguntaria aos alunos: onde está a flor? Um deles responderia que na praia. O professor, maliciosa, perguntaria como é que você sabe que é na praia. Ora, professor, responderia o aluno, o último verso, tem uma expressão – “estrela diurna” que, seguramente é o sol. (O advérbio é por minha conta, como responsável pela voz narrativa). Seguindo seu raciocínio, o estudante diria que este elemento, quando considerado o substantivo imediatamente anterior, “reflexo” sustenta a hipótese. Além do mais, o verbo jazer, no segundo verso, leva o leitor a pensar na superfície da praia, por onde anda o poeta observador, dado que a expressão seguinte “vasto azul” bem poderia ser o céu, na praia em dia ensolarado. Este detalhe final, ganha consistência ao se observar que a flor é observada de cima para baixo, pois o “reflexo” faz “cego” o poeta que observa. A turma estava muda. O professor também. Houve quem pensasse que o estudante era petulante, ou método, ou teria descoberto de antemão o poema a ser lido em aula e, ajudado pelas “ferramentas de pesquisa” hoje em dia disponíveis, teria se preparado com a análise de outrem. Tudo é possível. Sem ter como especular sobre esta possibilidade, o professor, estupefato e feliz, elogiaria a análise do estudante, confirmando-a. A história não acabaria aí, mas a minha caminhada terminou, os dias se passaram e somente agora é que escrevo alguma coisa sobre o poema iniciado… e inconcluso, por enquanto. Isso para, ora veja, justificar um intervalo!