Poesia

Vi ontem, por acaso, um vídeo com uma senhora declamando um poema. Era a própria poeta, Ana Luísa Amaral, portuguesa. Encantou-me a maneira como disse o próprio poema. Encantou-me o poema. A Literatura, uma vez mais, atenuando, em minh’alma as agruras do tédio, esse que não me abandona, jamais. Tomara que gostem!

SONETO CIENTÍFICO A FINGIR

Dar o mote ao amor. Glosar o tema

tantas vezes que assuste o pensamento.

Se for antigo, seja. Mas é belo

e como a arte: nem útil nem moral.

Que me interessa que seja por soneto

em vez de verso ou linha devastada?

O soneto é antigo? Pois que seja:

também o mundo é e ainda existe.

Só não vejo vantagens pela rima.

Dir-me-ão que é limite: deixa ser.

Se me dobro demais por ser mulher

(esta rimou, mas foi só por acaso)

Se me dobro demais, dizia eu,

não consigo falar-me como devo,

ou seja, na mentira que é o verso,

ou seja, na mentira do que mostro.

E se é soneto coxo, não faz mal.

E se não tem tercetos, paciência:

dar o mote ao amor, glosar o tema,

e depois desviar. Isso é ciência!

Ana Luísa Amaral, E muitos os caminhos, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1995, p. 35

(Folha de Poesia: Soneto científico a fingir (Ana Luísa Amaral, 1956-2022)

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